Um texto que nos remete aos
tempos iniciais da pedagogia, pelo menos nos moldes contemporâneos, trazendo explicações
sobre os fatores que conduziram à emergência da pedagogia e nos proporciona também
esclarecer os conceitos de educação, ensino, escola e pedagogia, conceitos
complexos como é o viver e a evolução social.
Descreve os principais
elementos que caracterizam a pedagogia como discurso e prática enquanto saberes
para a ação pedagógica, enfatizando o nascimento e sua evolução desde o século
XVII que nos ajuda a compreender, ao longo do nosso curso de Licenciatura Plena
em Pedagogia, como nascem as pedagogias ao longo da história, por meio de
filosofias e ideologias diversas como o sofismo, cristianismo e o humanismo e, onde
até então, não se encontra uma pedagogia com elementos que formam o essencial e
não se percebe até então uma dimensão sistemática encontramos na Pedagogia
contemporânea.
Esse fenômeno novo de sistematização
molda uma nova evolução das ideias e práticas pedagógicas posicionada no cerne
de uma reflexão inédita, segundo o texto, uma reflexão consciente e ordenada sobre
a maneira de fazer e de organizar uma classe e que deriva entre outros aspectos,
do surgimento de um novo modo de ver de um cuidado moral em relação à infância,
do aumento do número de alunos, alunos do povo que passam a ter acesso às
escolas, algo que era de exclusividade das classes mais abastadas. Agora um
ensino simultâneo se faz necessário, gestão do tempo e do espaço, organização
das crianças e dos saberes dentre outros.
Revendo principais marcos na
Educação, o texto se remete aos capítulos iniciais com os conceitos primordiais
de que toda a sociedade educa, no sentido de que transmite aos mais jovens suas
tradições, costumes e maneiras de fazer, mesmo que de maneira mais ou menos
consciente ou de maneira informal, mesmo numa natural convivência com outras
sociedades e costumes. Todas as sociedades educam mais nem todas ensinam, o
ensino começa com os gregos que questionam a natureza, a sociedade, a vida.
Claro que nem só os gregos pensam, porém, os sofistas é que dão início a um
processo didático se tornando os primeiros professores como ofício,
diferenciado dos demais existentes na época que ensinavam os ofícios como o artesão,
os ferreiros dentre outros, ensinando com a repetição. Os sofistas ajudam o
outro a aprender a pensar, uma atividade que não se dirige a uma ocupação
somente, qualquer atividade humana necessita.
Na antiguidade, a educação
em que o homem pudesse desenvolver o máximo de suas potencialidades, alcançasse
sua plenitude ficou conhecida como Paideia. Essa educação antiga existente nos
primórdios acontecia numa perspectiva de preceptorado, mesmo coletivo com cinco
ou nove alunos (o professor como exemplo de homem e detentor de conhecimentos
que seriam passados para o seu aluno) e não foi encontrado entre eles um
tratado sistemático do ensino para transmitir os conhecimentos e o mais próximo
de um tratado de pedagogia pode se encontrar A república de Platão (1966), mais
este se trata de uma educação geral de como ver a sociedade, seus conceitos e
sua organização.
A Escola surge na Idade
Média, como define Durkheim (1969): “um ambiente moral e organizado, reúne sob
o mesmo teto vários mestres que trabalham numa mesma perspectiva de converter
os alunos ao cristianismo”. Os grandes pedagogos desse período não se limitavam
a ensinar o saber produzido por outros, ensinavam os saberes que criavam, mesmo
assim, não se encontram tratados de pedagogia na Idade Média. Textos de Santo
Tomás de Aquino (1983) ou de Santo Agostinho (1988), que poderiam se equiparar
a isso, são escritos no singular, abordando questões da educação numa perspectiva
do preceptor para o seu aluno ou do mestre para o seu discípulo.
O regime da pedagogia
medieval se caracteriza com a leitura e se baseiam em ordem moral mais do que
institucional, em exortações mais do que regulamentações. No ponto de vista
administrativo do ensino, cobrem apenas algumas facetas dos procedimentos
pedagógicos como ler, copiar, decorar e comentar os autores clássicos, não
sendo procedimentos uniformes e são baseados em improvisações, ligados sempre
às iniciativas de certos membros do clero que assim instituem.
Com o Renascimento, a ideologia
escolástica, tradicionalista e de pensamento acrítico passa a sofrer constantes
críticas, e é com grandes humanistas do século XVI como Erasmo, Budé, Rabelais,
mais tarde Montaigne, que conseguem arruinar a filosofia escolástica, mesmo sem
exercer influência direta sobre essas instituições de ensino, também não
apresentam discursos de docentes encarregados em administrar grupos de alunos
em uma classe só tratam sobre reflexões gerais sobre a educação.
Em suma, apesar das várias
aquisições no campo da educação, até então, desde os gregos, perpassando a
Idade Média e o Renascimento, ainda não houve Pedagogia no sentido estrito da
palavra, somente no século XVII aparecem um discurso e uma prática formalizados
que podem ser qualificados de Pedagogia, saberes próprios ao docente, um
conjunto de regras, de conselhos metódicos que não devem ser confundidos com os
conteúdos a ensinar, direcionados ao mestre, para que o aluno aprenda um acervo
maior de conhecimentos, mais depressa e em melhores condições, conceito esse
encontrado em Didática Magna (Comênius, 1652).
O texto mostra duas pinturas
que trazem o ensino nas classes na época, “o mestre-escolas”, de Van Ostade,
que retrata um velho mestre com a palmatória na mão, interrogando um aluno por
vez, enquanto vários outros de idades variadas brincam ou brigam em um local
sujo e desorganizado. O outro quadro mostra os irmãos das Escolas Cristãs,
mostra parte de uma classe onde estimadamente 70 crianças da mesma idade e
mesmo sexo, uniformizadas, sentadas cada uma com um livro aparentemente
concentradas em suas tarefas, numa sala adornada com um mapa-mundi e imagens
sacras, a frente mestres, dentre eles João Batista de La Salle (França - Reims,
30 de abril de 1651) que teve uma existência como um ato de fé na educação, apostou
que por meio da educação era possível evangelizar. Dedicou toda sua vida à
educação humana e cristã de qualidade. Foi descendente de família nobre, razão
de ter tido oportunidade de estudar na Universidade de Sorbone, de Paris.
Ordenado sacerdote e doutorou-se em Teologia. Paulatinamente após a ordenação
sacerdotal dedicou-se à direção de escolas e à formação de professores. La
Salle deixou-nos um legado pedagógico que continua válido para os nossos
tempos.
Como um dos principais
fatores que influenciaram no contexto para o aparecimento da pedagogia,
destacam-se a Reforma Protestante (1517), estruturada pela tipografia, o
protestantismo foi um movimento determinante na criação das escolas e na
escolarização das massas. Outro fator foi a Contrarreforma Católica,
preocupados em vencer os protestantes os católicos se veem impelidos a utilizar
a leitura como meio de evangelização assim como os protestantes, evidenciou-se
com isso a formação da comunidade dos jesuítas. O surgimento de um novo
sentimento em relação à infância no século XVII, tornando-se uma preocupação
moral para o adulto, a criança é vista como um período negativo da vida e se
faz necessário à correção de seus vícios, sua leviandade e sua desordem por
parte dos religiosos dando ênfase à importância moral atribuída a educação da
infância no século XVII, que contribui para a educação das crianças e a criação
de escolas. O problema urbano com uma juventude turbulenta também se destaca e
se torna uma das principais funções social da escola nessa época, divergindo da
posição da escola no Renascimento, onde a escola era principalmente reservada
para a elite e a educação do povo não era valorizada.
O efeito desses quatro
fatores: a Reforma Protestante, a Contrarreforma Católica, o novo sentimento em
relação à infância e o problema urbano com a juventude, em resumo, combinados,
se traduz em um aumento notável do número de escolas juntamente com o grande
aumento no acesso dos filhos do povo a estas escolas, fenômeno este que não se
limita à França, mas passa a englobar toda a Europa.
Apesar de todas as
evoluções, teses e preocupações com a infância ainda não se tem uma teoria, a
primeira verdadeira grande Teoria da Infância será elaborada por Rousseau, no
século XVIII, destacando-se a obra Emílio (1762).
“A Barca da nossa didática
dirigirá a sua proa e a sua popa à procura e à descoberta do método, que permitirá
aos docentes ensinar menos e aos estudantes aprender mais; às escolas ter menos
barulho, menos problemas, menos trabalho inútil e mais lazeres, mais prazeres e
sólido proveito” (COMENIUS, 1952: 31).
Para resolver os problemas
de ensino para classes e organização do aprendizado se faz necessário o
estabelecimento de um método e de procedimentos detalhados e precisos para dar
aula, implicam a consideração da organização do tempo, do espaço, dos
conteúdos, da gestão disciplinar, em suma, um método que rege toda a vida
escolar desde os micro acontecimentos aos aspectos mais gerais, um discurso de
uma prática e de ordem, a Pedagogia.
Démia (Filho de um
farmacêutico, então intendente e secretário do marquês de Thiange,
tenente-general de Bresse), Charles Démia era órfão de pai e sem mãe
desde 1645, é então criado por uma de suas tias. Tendo começado seus
estudos no Colégio de Bourg-en-Bresse, continuou no Colégio dos Jesuítas da
Trindade, em Lyon . Ele recebeu as ordens menores em
31 de março de 1654 , depois continuou seus estudos até o doutorado
em direito civil e eclesiástico. Ele entra em uma congregação mariana e
depois entra na Sociedade do Santíssimo Sacramento , onde será muito
ativo.) , se inspirou abundantemente na obra de Jacques de Batencour
(1669), criou o primeiro organismo francês de formação de mestres, em 1678.
Os irmãos das Escolas
Cristãs, comunidade exclusivamente consagrada ao ensino, estabeleceram também a
formação rigorosa de seus noviços. Os jesuítas, por sua vez, se tornaram
célebres pela excelente formação dada aos membros de sua comunidade que se
destinavam ao ensino e o caráter mais evidente dos colégios do século XVII, e
uma das causas do sucesso obtido pelos jesuítas, foi o esforço para fazer com
que uma juventude turbulenta vivesse de maneira metódica e, a pedagogia é
essencialmente método, isto é, ordem e controle minuciosos de todos os elementos
da classe, apresentando características como o domínio do grupo e o ensino
simultâneo, ter uma só visão, ampla, sobre o grupo de alunos, agrupados pelas
suas capacidades, seu nível. Possivelmente os quadros de leituras nas paredes
estão relacionados com o desenvolvimento desse método simultâneo de ensino,
exemplares de um mesmo livro para todos e a gestão do tempo de modo a evitar a
ociosidade, “mãe de todos os vícios”.
Segundo Durkheim (1969), o
que explica ao menos em parte, o enorme sucesso da pedagogia dos jesuítas, para
evitar que os alunos ficassem inativos, inventaram os deveres escritos como a
gestão do espaço, um lugar fechado para o mundo exterior evitando distração e
cada aluno com o seu lugar fixo, divididos por grupos seletos nas laterais e
subdivisões por ordem de capacidades, segundo a riqueza (por motivos
higiênicos) ou ainda lugares especiais para os novatos, para os punidos como o
banco da infâmia (banco dos ignorantes) atrás da porta ou em lugares mais
sórdidos da escola.
Os procedimentos adotados
pelo mestre, vai desde dirigir a criança ditando-lhe sua postura, que é vista
como um sinal do interior dessa criança, como a posição do dedo em relação a
palavra a ser lida, como segura a pena e o posicionamento do corpo e do papel
para a escrita. Também vai ditar os modos de deslocamentos no interior e
exterior da classe, as ordenações das filas e as ordens de saídas, seu
companheiro indicado pelo mestre e oficiais determinados para se ocuparem da
conduta dos alunos nas ruas, os deciários. Existe também a preocupação de nunca
deixar o aluno sozinho, este será sempre vigiado mesmo simbolicamente quando
estiver sozinho. A “gelosia”, uma pequena janela permitia ver os alunos no
exterior sem ser visto. A cátedra elevada, a tribuna, que permite ver todos os
alunos com um só olhar e os alcaguetes oficiais, que de certa forma substituem
o mestre na sua ausência, a vigilância simbólica permanente, através de imagens
sacras. Dizem que a imagem do inferno serve para intimidar os alunos quanto as
suas más ações, as confissões que permite se inspecionar não só o exterior, mas
também a alma.
A organização dos saberes a
transmitir é objeto de especificação e formalização há vários séculos. Para as
escolinhas foram delimitadas três ordens de saberes: a formação cristã, o
domínio dos rudimentos (ler, escrever, contar) e a civilidade (aperfeiçoamento
dos costumes).
Os mestre-escolas foram
instrumentos fundamentais na Reforma e Contrarreforma e os tratados de
Pedagogia foram na maioria escrito por religiosos.
O século XVII parece bem menos
brilhante para a Pedagogia pelo fato de ser mais evidenciado o Renascimento com
Ralais, Erasmo, Montaigne e ao Século das luzes de Rousseau, Diderot e Voltaire
dentre outros. Entretanto, é, realmente neste século que se encontra o maior
número de indicações precisas para os docentes a respeito da organização do
ensino na classe, que se elaboram os primeiros enunciados de um saber
pedagógico, saber que se situa em um nível diferente das doutrinas, das
concepções teóricas, tal como encontradas nas obras de Erasmo e Rabelais.
Os pedagogos do século XVII
procuraram antes, organizar a prática escolar. Assim, os protestantes, sob o
estímulo de Ratichius (RIOUX, 1963), produzem uma Introdução geral à didática
ou arte de ensinar. Mais tarde, Comenius, (1952) escreve A Grande Didática –
tratado universal de ensinar tudo a todos; uma das primeiras senão a primeira
tentativa de sistematização da pedagogia e da didática segundo Comenius.
Os católicos também se
manifestam, Jacques de Batencour (1669), padre e professor de carreira, redige A
escola paroquial ou a maneira de ensinar bem nas escolinhas; João Batista de La
Salle (1951) publica a Conduta das escolas cristãs; e os jesuítas marcam a
época com a sua Ratio Studiorum (programa e regulamento dos estudos da Companhia
de Jesus), frutos do empenho de pessoas na prática do ensino durante vários
anos, são discursos pedagógicos construídos no terreno de classe, explicam seu
saber na ação e juntos inauguram um método para dar aula que não se limitam a
críticas teóricas como fizeram os humanistas do Renascimento.
Nessa perspectiva, nada se
parece mais com um colégio dos jesuítas que outro colégio dos jesuítas ou uma
escola dos Irmãos das Escolas Cristãs do que outra escola dos Irmãos das
Escolas Cristãs, assistindo-se assim ao nascimento da pedagogia, nestes moldes,
de uma tradição pedagógica onde, alguns mestre-escola elaboram toda a espécie
de estratégias para dar aula que, em seguida, eles formalizaram e agruparam em
tratados e, essa maneira de fazer a escola será exportada para a América e para
o mundo inteiro.
Concluindo que o texto expõe
a hipótese de que a pedagogia surgiu no século XVII, claro por se perceber uma
grande articulação em seus moldes, que trazem características e novas
preocupações em delinear os viés do ensino na medida em que se instituem novos
contextos sociais.
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