sexta-feira, 20 de abril de 2018

A PEDAGOGIA - Clermont Gauthier e Maurice Tardif

Um texto que nos remete aos tempos iniciais da pedagogia, pelo menos nos moldes contemporâneos, trazendo explicações sobre os fatores que conduziram à emergência da pedagogia e nos proporciona também esclarecer os conceitos de educação, ensino, escola e pedagogia, conceitos complexos como é o viver e a evolução social.
Descreve os principais elementos que caracterizam a pedagogia como discurso e prática enquanto saberes para a ação pedagógica, enfatizando o nascimento e sua evolução desde o século XVII que nos ajuda a compreender, ao longo do nosso curso de Licenciatura Plena em Pedagogia, como nascem as pedagogias ao longo da história, por meio de filosofias e ideologias diversas como o sofismo, cristianismo e o humanismo e, onde até então, não se encontra uma pedagogia com elementos que formam o essencial e não se percebe até então uma dimensão sistemática encontramos na Pedagogia contemporânea.
Esse fenômeno novo de sistematização molda uma nova evolução das ideias e práticas pedagógicas posicionada no cerne de uma reflexão inédita, segundo o texto, uma reflexão consciente e ordenada sobre a maneira de fazer e de organizar uma classe e que deriva entre outros aspectos, do surgimento de um novo modo de ver de um cuidado moral em relação à infância, do aumento do número de alunos, alunos do povo que passam a ter acesso às escolas, algo que era de exclusividade das classes mais abastadas. Agora um ensino simultâneo se faz necessário, gestão do tempo e do espaço, organização das crianças e dos saberes dentre outros.
Revendo principais marcos na Educação, o texto se remete aos capítulos iniciais com os conceitos primordiais de que toda a sociedade educa, no sentido de que transmite aos mais jovens suas tradições, costumes e maneiras de fazer, mesmo que de maneira mais ou menos consciente ou de maneira informal, mesmo numa natural convivência com outras sociedades e costumes. Todas as sociedades educam mais nem todas ensinam, o ensino começa com os gregos que questionam a natureza, a sociedade, a vida. Claro que nem só os gregos pensam, porém, os sofistas é que dão início a um processo didático se tornando os primeiros professores como ofício, diferenciado dos demais existentes na época que ensinavam os ofícios como o artesão, os ferreiros dentre outros, ensinando com a repetição. Os sofistas ajudam o outro a aprender a pensar, uma atividade que não se dirige a uma ocupação somente, qualquer atividade humana necessita.
Na antiguidade, a educação em que o homem pudesse desenvolver o máximo de suas potencialidades, alcançasse sua plenitude ficou conhecida como Paideia. Essa educação antiga existente nos primórdios acontecia numa perspectiva de preceptorado, mesmo coletivo com cinco ou nove alunos (o professor como exemplo de homem e detentor de conhecimentos que seriam passados para o seu aluno) e não foi encontrado entre eles um tratado sistemático do ensino para transmitir os conhecimentos e o mais próximo de um tratado de pedagogia pode se encontrar A república de Platão (1966), mais este se trata de uma educação geral de como ver a sociedade, seus conceitos e sua organização.
A Escola surge na Idade Média, como define Durkheim (1969): “um ambiente moral e organizado, reúne sob o mesmo teto vários mestres que trabalham numa mesma perspectiva de converter os alunos ao cristianismo”. Os grandes pedagogos desse período não se limitavam a ensinar o saber produzido por outros, ensinavam os saberes que criavam, mesmo assim, não se encontram tratados de pedagogia na Idade Média. Textos de Santo Tomás de Aquino (1983) ou de Santo Agostinho (1988), que poderiam se equiparar a isso, são escritos no singular, abordando questões da educação numa perspectiva do preceptor para o seu aluno ou do mestre para o seu discípulo.
O regime da pedagogia medieval se caracteriza com a leitura e se baseiam em ordem moral mais do que institucional, em exortações mais do que regulamentações. No ponto de vista administrativo do ensino, cobrem apenas algumas facetas dos procedimentos pedagógicos como ler, copiar, decorar e comentar os autores clássicos, não sendo procedimentos uniformes e são baseados em improvisações, ligados sempre às iniciativas de certos membros do clero que assim instituem.
Com o Renascimento, a ideologia escolástica, tradicionalista e de pensamento acrítico passa a sofrer constantes críticas, e é com grandes humanistas do século XVI como Erasmo, Budé, Rabelais, mais tarde Montaigne, que conseguem arruinar a filosofia escolástica, mesmo sem exercer influência direta sobre essas instituições de ensino, também não apresentam discursos de docentes encarregados em administrar grupos de alunos em uma classe só tratam sobre reflexões gerais sobre a educação.
Em suma, apesar das várias aquisições no campo da educação, até então, desde os gregos, perpassando a Idade Média e o Renascimento, ainda não houve Pedagogia no sentido estrito da palavra, somente no século XVII aparecem um discurso e uma prática formalizados que podem ser qualificados de Pedagogia, saberes próprios ao docente, um conjunto de regras, de conselhos metódicos que não devem ser confundidos com os conteúdos a ensinar, direcionados ao mestre, para que o aluno aprenda um acervo maior de conhecimentos, mais depressa e em melhores condições, conceito esse encontrado em Didática Magna (Comênius, 1652).
O texto mostra duas pinturas que trazem o ensino nas classes na época, “o mestre-escolas”, de Van Ostade, que retrata um velho mestre com a palmatória na mão, interrogando um aluno por vez, enquanto vários outros de idades variadas brincam ou brigam em um local sujo e desorganizado. O outro quadro mostra os irmãos das Escolas Cristãs, mostra parte de uma classe onde estimadamente 70 crianças da mesma idade e mesmo sexo, uniformizadas, sentadas cada uma com um livro aparentemente concentradas em suas tarefas, numa sala adornada com um mapa-mundi e imagens sacras, a frente mestres, dentre eles João Batista de La Salle (França - Reims, 30 de abril de 1651) que teve uma existência como um ato de fé na educação, apostou que por meio da educação era possível evangelizar. Dedicou toda sua vida à educação humana e cristã de qualidade. Foi descendente de família nobre, razão de ter tido oportunidade de estudar na Universidade de Sorbone, de Paris. Ordenado sacerdote e doutorou-se em Teologia. Paulatinamente após a ordenação sacerdotal dedicou-se à direção de escolas e à formação de professores. La Salle deixou-nos um legado pedagógico que continua válido para os nossos tempos.
Como um dos principais fatores que influenciaram no contexto para o aparecimento da pedagogia, destacam-se a Reforma Protestante (1517), estruturada pela tipografia, o protestantismo foi um movimento determinante na criação das escolas e na escolarização das massas. Outro fator foi a Contrarreforma Católica, preocupados em vencer os protestantes os católicos se veem impelidos a utilizar a leitura como meio de evangelização assim como os protestantes, evidenciou-se com isso a formação da comunidade dos jesuítas. O surgimento de um novo sentimento em relação à infância no século XVII, tornando-se uma preocupação moral para o adulto, a criança é vista como um período negativo da vida e se faz necessário à correção de seus vícios, sua leviandade e sua desordem por parte dos religiosos dando ênfase à importância moral atribuída a educação da infância no século XVII, que contribui para a educação das crianças e a criação de escolas. O problema urbano com uma juventude turbulenta também se destaca e se torna uma das principais funções social da escola nessa época, divergindo da posição da escola no Renascimento, onde a escola era principalmente reservada para a elite e a educação do povo não era valorizada.
O efeito desses quatro fatores: a Reforma Protestante, a Contrarreforma Católica, o novo sentimento em relação à infância e o problema urbano com a juventude, em resumo, combinados, se traduz em um aumento notável do número de escolas juntamente com o grande aumento no acesso dos filhos do povo a estas escolas, fenômeno este que não se limita à França, mas passa a englobar toda a Europa.
Apesar de todas as evoluções, teses e preocupações com a infância ainda não se tem uma teoria, a primeira verdadeira grande Teoria da Infância será elaborada por Rousseau, no século XVIII, destacando-se a obra Emílio (1762).
“A Barca da nossa didática dirigirá a sua proa e a sua popa à procura e à descoberta do método, que permitirá aos docentes ensinar menos e aos estudantes aprender mais; às escolas ter menos barulho, menos problemas, menos trabalho inútil e mais lazeres, mais prazeres e sólido proveito” (COMENIUS, 1952: 31).
Para resolver os problemas de ensino para classes e organização do aprendizado se faz necessário o estabelecimento de um método e de procedimentos detalhados e precisos para dar aula, implicam a consideração da organização do tempo, do espaço, dos conteúdos, da gestão disciplinar, em suma, um método que rege toda a vida escolar desde os micro acontecimentos aos aspectos mais gerais, um discurso de uma prática e de ordem, a Pedagogia.
Démia (Filho de um farmacêutico, então intendente e secretário do marquês de Thiange, tenente-general de Bresse), Charles Démia era órfão de pai e sem mãe desde 1645, é então criado por uma de suas tias. Tendo começado seus estudos no Colégio de Bourg-en-Bresse, continuou no Colégio dos Jesuítas da Trindade, em Lyon . Ele recebeu as ordens menores em 31 de março de 1654 , depois continuou seus estudos até o doutorado em direito civil e eclesiástico. Ele entra em uma congregação mariana e depois entra na Sociedade do Santíssimo Sacramento , onde será muito ativo.) , se inspirou abundantemente na obra de Jacques de Batencour (1669), criou o primeiro organismo francês de formação de mestres, em 1678.
Os irmãos das Escolas Cristãs, comunidade exclusivamente consagrada ao ensino, estabeleceram também a formação rigorosa de seus noviços. Os jesuítas, por sua vez, se tornaram célebres pela excelente formação dada aos membros de sua comunidade que se destinavam ao ensino e o caráter mais evidente dos colégios do século XVII, e uma das causas do sucesso obtido pelos jesuítas, foi o esforço para fazer com que uma juventude turbulenta vivesse de maneira metódica e, a pedagogia é essencialmente método, isto é, ordem e controle minuciosos de todos os elementos da classe, apresentando características como o domínio do grupo e o ensino simultâneo, ter uma só visão, ampla, sobre o grupo de alunos, agrupados pelas suas capacidades, seu nível. Possivelmente os quadros de leituras nas paredes estão relacionados com o desenvolvimento desse método simultâneo de ensino, exemplares de um mesmo livro para todos e a gestão do tempo de modo a evitar a ociosidade, “mãe de todos os vícios”.
Segundo Durkheim (1969), o que explica ao menos em parte, o enorme sucesso da pedagogia dos jesuítas, para evitar que os alunos ficassem inativos, inventaram os deveres escritos como a gestão do espaço, um lugar fechado para o mundo exterior evitando distração e cada aluno com o seu lugar fixo, divididos por grupos seletos nas laterais e subdivisões por ordem de capacidades, segundo a riqueza (por motivos higiênicos) ou ainda lugares especiais para os novatos, para os punidos como o banco da infâmia (banco dos ignorantes) atrás da porta ou em lugares mais sórdidos da escola.
Os procedimentos adotados pelo mestre, vai desde dirigir a criança ditando-lhe sua postura, que é vista como um sinal do interior dessa criança, como a posição do dedo em relação a palavra a ser lida, como segura a pena e o posicionamento do corpo e do papel para a escrita. Também vai ditar os modos de deslocamentos no interior e exterior da classe, as ordenações das filas e as ordens de saídas, seu companheiro indicado pelo mestre e oficiais determinados para se ocuparem da conduta dos alunos nas ruas, os deciários. Existe também a preocupação de nunca deixar o aluno sozinho, este será sempre vigiado mesmo simbolicamente quando estiver sozinho. A “gelosia”, uma pequena janela permitia ver os alunos no exterior sem ser visto. A cátedra elevada, a tribuna, que permite ver todos os alunos com um só olhar e os alcaguetes oficiais, que de certa forma substituem o mestre na sua ausência, a vigilância simbólica permanente, através de imagens sacras. Dizem que a imagem do inferno serve para intimidar os alunos quanto as suas más ações, as confissões que permite se inspecionar não só o exterior, mas também a alma.
A organização dos saberes a transmitir é objeto de especificação e formalização há vários séculos. Para as escolinhas foram delimitadas três ordens de saberes: a formação cristã, o domínio dos rudimentos (ler, escrever, contar) e a civilidade (aperfeiçoamento dos costumes).
Os mestre-escolas foram instrumentos fundamentais na Reforma e Contrarreforma e os tratados de Pedagogia foram na maioria escrito por religiosos.
O século XVII parece bem menos brilhante para a Pedagogia pelo fato de ser mais evidenciado o Renascimento com Ralais, Erasmo, Montaigne e ao Século das luzes de Rousseau, Diderot e Voltaire dentre outros. Entretanto, é, realmente neste século que se encontra o maior número de indicações precisas para os docentes a respeito da organização do ensino na classe, que se elaboram os primeiros enunciados de um saber pedagógico, saber que se situa em um nível diferente das doutrinas, das concepções teóricas, tal como encontradas nas obras de Erasmo e Rabelais.
Os pedagogos do século XVII procuraram antes, organizar a prática escolar. Assim, os protestantes, sob o estímulo de Ratichius (RIOUX, 1963), produzem uma Introdução geral à didática ou arte de ensinar. Mais tarde, Comenius, (1952) escreve A Grande Didática – tratado universal de ensinar tudo a todos; uma das primeiras senão a primeira tentativa de sistematização da pedagogia e da didática segundo Comenius.
Os católicos também se manifestam, Jacques de Batencour (1669), padre e professor de carreira, redige A escola paroquial ou a maneira de ensinar bem nas escolinhas; João Batista de La Salle (1951) publica a Conduta das escolas cristãs; e os jesuítas marcam a época com a sua Ratio Studiorum (programa e regulamento dos estudos da Companhia de Jesus), frutos do empenho de pessoas na prática do ensino durante vários anos, são discursos pedagógicos construídos no terreno de classe, explicam seu saber na ação e juntos inauguram um método para dar aula que não se limitam a críticas teóricas como fizeram os humanistas do Renascimento.
Nessa perspectiva, nada se parece mais com um colégio dos jesuítas que outro colégio dos jesuítas ou uma escola dos Irmãos das Escolas Cristãs do que outra escola dos Irmãos das Escolas Cristãs, assistindo-se assim ao nascimento da pedagogia, nestes moldes, de uma tradição pedagógica onde, alguns mestre-escola elaboram toda a espécie de estratégias para dar aula que, em seguida, eles formalizaram e agruparam em tratados e, essa maneira de fazer a escola será exportada para a América e para o mundo inteiro.
Concluindo que o texto expõe a hipótese de que a pedagogia surgiu no século XVII, claro por se perceber uma grande articulação em seus moldes, que trazem características e novas preocupações em delinear os viés do ensino na medida em que se instituem novos contextos sociais.

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